Uma breve pincelada na história constitucional por trás da função social da propriedade agrária
A Constituição de 1988 imprimiu uma visão social do direito à propriedade agrária e rural[1]. Contudo, nem sempre nossos constituintes teceram constituições enroupadas de tão nobre visão.
Neste aspecto, nossa primeira Carta Magna, a Constituição de 1824, tecida ainda na época do Império, já garantia o direito de propriedade, este sendo exercido de forma plena, não havendo restrições, salve em casos onde o Estado necessitasse da propriedade, ocasião a qual o cidadão deveria ser indenizado. Neste caso, não estava a propriedade vinculada à funções de caráter social ou produtivo, ao menos dentro da constituição.
Importa salientar que, por mais que a legislação constitucional fosse silente sobre o assunto, o Parlamento aprovou, e D. Pedro II assinou, a Lei das Terras, primeira legislação agrária brasileira, qual buscava regularizar a situação fundiária do país.
Nesta importante lei, seus artigos 4 e 5 continham disposição sobre as terras cultivadas, garantindo ao possuidor manso e pacífico a regularização de sua propriedade, desde que produtiva fosse. Assim, preconizou-se o caráter produtivo da área, em detrimento dos antigos donos que nela não produziam.
Pois bem, superado o Império, sendo proclamada a república, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891, influenciada pelas oligarquias rurais que ditavam as regras à época, preservou em seu texto o direito pleno à propriedade, ao menos assim preconizava seu artigo 72, § 17, com redação dada pela Emenda Constitucional de setembro de 1926.
Com efeito:
Art. 72. “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
O direito de propriedade mantem-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indemnização prévia”.
Interessante ressaltar que a referida emenda não alterou a essência do dispositivo constitucional, que continuou o mesmo. Na mesma esteira, verifica-se que, como na Constituição do Império, a desapropriação poderia ocorrer por interesse público, mediante prévia indenização.
Já na Era Vargas, após a Revolução Constitucionalista de 1932, a qual foi liderada pelo estado de São Paulo, promulgou-se a Constituição de 1934, que, por sua vez, acabará com as garantias de plena propriedade.
Neste aspecto, a legislação constitucional de 1934 impôs limites ao direito de propriedade, garantindo que o mesmo não poderia ser usado contra o interesse social e coletivo.
Com efeito:
Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior”.
Contudo, durante a ditadura de Getúlio Vargas, o termo “interesse social” foi excluído do artigo referente ao direito de propriedade.
Superada a Era Vargas (1930-1945), derrubado o Estado Novo, promulga-se, no dia 18 de setembro de 1946, uma nova Carta Magna, conhecida como a Constituição de 1946, onde, no que tange ao direito de propriedade, faz-se florescer uma importante visão social a seu respeito, condicionando o uso da terra ao bem estar social. A legislação também estabeleceu a desapropriação por interesse social, vislumbrando a reforma agrária.
Com efeito, assim dispunha os artigos 141 e 147 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946:
Art. 141. “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interêsse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, com a exceção prevista no § 1º do art. 147. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior”.
Art. 147. “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
§ 1º Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinqüenta por cento do Impôsto Territorial Rural e como pagamento do preço de terras públicas”.
Já promulgada durante o Governo Militar, a Constituição de 1967 manteve o princípio da função social da propriedade, dispondo sobre o assunto da mesma forma que a legislação constitucional de 1947.
Por fim, após esta breve pincelada sobre a história constitucional da função social na propriedade agrária e rural, é prudente afirmar que houve uma evolução clara da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 perante todas, o que pode ser constatado no caput de seu artigo 184.
Com efeito:
“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”
Assim, é de fácil acepção a visão social derramada sobre a Carta Magna vigente, sendo esta de extrema importância para a manutenção de um estado social pacifico, o qual visa garantir a produtividade dos imóveis rurais.
[1] Diferença entre atividade agrária e rural: O rural, ou, mais precisamente, o meio rural, é um termo mais amplo que envolve todo o espaço não constituído por cidades. Ele envolve práticas agrárias e não agrárias. Por outro lado, o meio agrário é aquele em que se realizam práticas econômicas e sociais eminentemente relacionadas sobretudo com o setor primário, sejam elas agrícolas, pecuárias ou extrativistas.
Guilherme lemos moreno
OAB/MS 26.121
Sócio gestor da carteira de Agronegócio